STF julga tributação de controladas no exterior: entenda como o caso da Vale impacta empresas brasileiras
- Clivanir Cassiano de Oliveira
- 17 de jun.
- 3 min de leitura

O julgamento da Companhia Vale do Rio Doce no Supremo Tribunal Federal (STF) representa um dos casos mais relevantes da atualidade no que diz respeito aos limites da tributação internacional no Brasil.
O ponto central da discussão é a validade do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 (atualmente reeditada por outra norma, nº 2.158-35), que autoriza o Fisco brasileiro a tributar, no IRPJ e na CSLL, lucros de controladas no exterior, ainda que esses lucros não tenham sido efetivamente distribuídos para a matriz no Brasil.
A tese defendida pela Vale é robusta e de enorme repercussão. A empresa sustenta que esse artigo é incompatível com os tratados internacionais para evitar a dupla tributação celebrados pelo Brasil, especificamente com Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo, onde estão domiciliadas algumas de suas controladas. Esses tratados são claros ao estabelecer que a competência tributária recai sobre o país de domicílio da sociedade estrangeira — ou seja, privilegiam a tributação na fonte (onde desenvolve o trabalho) e não na residência do acionista (Brasil).
Além disso, o advogado da Vale reforçou um ponto essencial: embora o Código Tributário Nacional (CTN) permita que a lei ordinária defina o momento da disponibilidade econômica da renda, não autoriza a criação de uma "ficção legal", segundo a qual simples resultados contábeis, apurados no balanço de uma empresa estrangeira, poderiam ser considerados como efetivamente disponibilizados para efeitos de imposto no Brasil. Isso viola diretamente o art. 43 do CTN, que exige a disponibilidade econômica ou jurídica da renda como condição para a incidência do imposto.
Outro aspecto jurídico extremamente relevante — e que sempre levo aos meus clientes em consultas sobre tributação internacional — é que os tratados internacionais prevalecem sobre a legislação interna brasileira em caso de conflito. Esse entendimento já foi, inclusive, consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no próprio caso da Vale, quando a Corte confirmou a prioridade dos tratados internacionais sobre normas internas, inclusive sobre a própria MP 2.158-35.
E essa é, sem dúvida, uma das maiores fontes de confusão no direito tributário internacional brasileiro. Se olharmos apenas para as regras internas, qualquer estrangeiro que passe mais de 183 dias no Brasil, contínuos ou não, ou que tenha intenção de residência, seria considerado tax resident no país. Contudo, quando aplicamos os tratados internacionais, muitas vezes, essa pessoa não será considerada residente fiscal no Brasil, pois os tratados introduzem critérios adicionais, como centro de interesses vitais, domicílio permanente, e outros vínculos pessoais e econômicos, para solucionar os casos de dupla residência.
O próprio CTN reconhece essa hierarquia dos tratados internacionais, e foi com base nisso que o STJ decidiu a favor da tese da Vale. Contudo, o Governo Federal, diante de um possível crédito tributário de aproximadamente R$ 34 bilhões, não se conformou com a derrota e recorreu ao STF, que terá a palavra final sobre a constitucionalidade dessa cobrança.
É evidente que esse caso ultrapassa o interesse específico da Vale. O desfecho do julgamento no STF formará um precedente que poderá impactar todas as empresas brasileiras com controladas no exterior e, também, os próprios contribuintes pessoas físicas, que passaram a ser afetados diretamente pela lógica trazida pela Lei nº 14.754/2023, que busca aplicar conceitos semelhantes de tributação automática sobre lucros no exterior — mesmo sem distribuição.
Portanto, estamos diante de um caso que servirá de parâmetro não apenas para empresas, mas para todos que lidam com patrimônio e investimentos internacionais. É, sem dúvida, um julgamento que definirá os limites entre a soberania fiscal brasileira e os compromissos assumidos pelo Brasil no cenário internacional.
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