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Residência Fiscal, Bitributação e o Caso Ramon Dino: o que o Brasileiro(a) que mora no exterior precisa saber sobre tributação

  • Foto do escritor: Clivanir Cassiano de Oliveira
    Clivanir Cassiano de Oliveira
  • 23 de out.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 24 de out.

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Introdução

O mundo está cada vez mais conectado — e, com isso, aumentam os casos de brasileiros que recebem rendimentos do exterior. Mas surge a dúvida: quem tem o direito de tributar esses valores — o país onde o dinheiro foi pago ou o Brasil?

O recente caso do atleta Ramon Dino, vice-campeão mundial no Mr. Olympia 2024, gerou grande repercussão ao ilustrar como a legislação tributária internacional funciona na prática.

Ele recebeu um prêmio nos Estados Unidos e parte da imprensa afirmou que ele poderia “pagar imposto duas vezes”. A situação ganhou ainda mais destaque quando a companheira do atleta comentou nas redes sociais que a solução seria “não trazer o dinheiro para o Brasil”.

Mas será mesmo que isso é verdade?

Na prática, na maioria dos casos não existe bitributação, desde que o contribuinte siga corretamente as normas brasileiras, as diretrizes da OCDE e os atos de reciprocidade fiscal que regulam a tributação internacional.

Eu me chamo Clivanir Cassiano, advogada tributarista (OAB/RN 34.395B), ex-juíza suplente do Tribunal Tributário de Impostos Municipais, com atuação em Direito Tributário desde 2019, especialista em Tratados Internacionais de Tributação pela Escola Superior de Brasília (ESB) e fundadora do Cassiano Advocacia.

Ao final deste artigo, você entenderá por que ninguém pode ser residente fiscal em dois países ao mesmo tempo, e como a legislação brasileira — inclusive o Ato Declaratório SRF nº 28/2000 — evita que brasileiros paguem imposto duas vezes sobre o mesmo rendimento.

O que é residência fiscal

A residência fiscal é o vínculo jurídico que define em qual país uma pessoa física deve declarar e pagar impostos sobre sua renda mundial. No Brasil, a Receita Federal considera residente fiscal quem:

  • vive no país de forma permanente;

  • entra com visto permanente; ou

  • permanece no Brasil por mais de 183 dias, consecutivos ou não, dentro de 12 meses.

Já deixa de ser residente fiscal quem:

  • sai do Brasil em caráter permanente e entrega a Declaração de Saída Definitiva do País; ou

  • sai temporariamente, mas permanece fora por mais de 12 meses consecutivos.

Morar fora não cancela o CPF — O que muda é a condição fiscal, conforme a formalização de saída junto à Receita Federal.

Tratados Internacionais e a prevenção da dupla tributação

O Brasil mantém acordos de bitributação com diversos países — entre eles Israel, Portugal, França, Japão, Chile, Argentina, México, Emirados Árabes, Holanda e outros — que seguem, em vários, o Modelo de Convenção da OCDE.

Esses tratados têm como principal objetivo evitar que um mesmo rendimento seja tributado duas vezes, tanto no país da fonte do pagamento (onde o rendimento é gerado), quanto no país de residência fiscal do contribuinte (onde ele é considerado residente para fins tributários).

Além disso, os tratados também definem critérios para determinar em qual país uma pessoa será considerada “tax resident”.

Destaco dois métodos de evitar a dupla tributação, entre outros, adotados nesses acordos internacionais:

  1. Método da Isenção: o país de residência abre mão de tributar determinada renda obtida no exterior, reconhecendo que ela já foi tributada na fonte.

  2. Método do Crédito: o país de residência permite compensar o imposto pago no exterior com o imposto devido internamente, até o limite da alíquota nacional.

Apesar dessas medidas, é importante destacar que os tratados não dispensam a obrigação de declarar todos os bens e rendimentos à Receita Federal do Brasil. Mesmo quando o imposto é pago no exterior, os valores e patrimônios devem constar integralmente na declaração anual de Imposto de Renda, como parte da transparência fiscal exigida pelas normas brasileiras e pelos acordos de cooperação internacional de informações financeiras (Exchange of Information – OECD CRS).

Em resumo, os tratados internacionais não eliminam a obrigação de reportar — apenas evitam a dupla tributação, garantindo tratamento equitativo ao contribuinte que atua em mais de um país.


O caso Ramon Dino

“O campeão brasileiro Ramon Dino deve não pagar nenhum imposto no Brasil — mesmo tendo recebido um prêmio milionário nos Estados Unidos.E não, isso não é sonegação. É técnica tributária internacional.”

Ramon Dino é um atleta brasileiro reconhecido mundialmente na categoria Classic Physique. Em 2024, ele competiu nos Estados Unidos, recebeu um prêmio em dólar e teve o valor tributado na fonte pelo governo americano.

Com a repercussão do prêmio, surgiram debates sobre o quanto o governo brasileiro “ganharia” com esse valor. A esposa do atleta chegou a comentar que seria “burrice trazer o dinheiro para o Brasil e pagar duas vezes”. Mas será que Ramon seria realmente bitributado?


A reciprocidade fiscal Brasil – EUA

Nos Estados Unidos, estrangeiros que recebem rendimentos de fonte americana — sem serem residentes fiscais — são enquadrados como non-resident aliens e têm o imposto retido na fonte, geralmente à alíquota de 30%.

Ramon, portanto, pagou imposto nos EUA, mesmo sem ser residente fiscal americano. Ele continua sendo residente fiscal no Brasil, onde deve declarar sua renda mundial.

E é aqui que entra o ponto técnico: Apesar de inexiste hoje tratado internacional de evitar dupla tributação entre Estados Unidos e Brasil, o Ato Declaratório SRF nº 28/2000 reconhece a reciprocidade de tratamento fiscal entre Brasil e Estados Unidos.

Isso significa que o imposto pago nos EUA pode ser compensado no Brasil, mesmo sem existir um tratado formal de bitributação entre os dois países.Ou seja, não há dupla cobrança — apenas obrigação de declarar.


Exemplo prático com câmbio de R$ 5,39

Suponha que o atleta tenha recebido US$ 100.000 de prêmio nos EUA:

Etapa

Descrição

Valor em dólares (US$)

Valor em reais (R$) considerando câmbio de 5,39

Observação

1

Prêmio recebido nos EUA

100.000

539.000

Rendimento de fonte americana

2

Imposto retido nos EUA (30%)

30.000

161.700

Retido na fonte como “non-resident alien”

3

Rendimento líquido após retenção

70.000

377.300

Valor efetivamente recebido

4

Declaração no Brasil

100.000

539.000

Declarar o rendimento bruto e o imposto pago

5

Compensação do imposto pago no exterior

até 30%

161.700

O imposto dos EUA é abatido no IR brasileiro

6

Resultado final no Brasil

539.000 x 27,5% = 148.225 - 161.700 = valor negativo

Como o imposto pago nos Estados Unidos (R$ 161.700,00) é maior que o imposto devido no Brasil (R$ 148.225,00), não há valor adicional a recolher no Brasil


Conclusão: Ramon não pagaria novamente imposto no Brasil, pois o tributo pago nos EUA pode ser compensado, conforme o Ato Declaratório SRF 28/2000.Ele apenas declara o valor recebido e o imposto retido, convertendo os montantes para reais.


Conceitos importantes

Conceito

Explicação resumida

País da fonte

Local de origem do rendimento (EUA, no caso).

País de residência fiscal

País onde o contribuinte é considerado residente e deve declarar sua renda global (Brasil).

Reciprocidade fiscal

Permite compensar no Brasil o imposto pago em país com tratamento equivalente, mesmo sem tratado formal.

Non-resident alien

Estrangeiro não residente fiscal que paga imposto na fonte nos EUA.

Bitributação

Ocorre apenas se o mesmo rendimento for tributado duas vezes sem compensação.

Conclusão

O caso Ramon Dino demonstra a importância de compreender os conceitos de residência fiscal e reciprocidade internacional.Ele não é residente fiscal nos EUA, mas foi tributado lá como estrangeiro — e, como residente fiscal brasileiro, tem direito de compensar esse imposto.

“O que as pessoas chamam de dupla tributação só acontece quando não há planejamento ou informalidade. Não existe pessoa com dupla residência fiscal — existe pessoa sem regularização tributária internacional.” — Clivanir Cassiano, advogada tributarista (OAB/RN 34.395B), com curso técnico de Tratados Internacionais para evitar a Dupla Tributação – Escola Superior de Brasília (ESB)

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📌 Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui consulta jurídica individualizada. Cada caso deve ser analisado conforme o país de residência e o tipo de rendimento.


📘 Regra oficial: Ato Declaratório SRF nº 28/2000 (Planalto.gov.br)

📞 Contato: taxforexpats@gmail.com


Reprodução ou distribuição deste artigo, no todo ou em parte, é permitida apenas mediante citação da autora. Este material deve mencionar Clivanir Cassiano de Oliveira, OAB n.º 34.395B, como autora original.



 
 
 

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