Como saber se holandeses no Brasil são contribuintes? O que dizem o Tratado Brasil–Holanda, a OCDE, a ONU e por que a regra dos 183 dias raramente se aplica?
- Clivanir Cassiano de Oliveira
- 7 de dez.
- 4 min de leitura

Quando um cidadão holandês decide viver parte do ano no Brasil, uma pergunta sempre surge:
“Eu passo a ser contribuinte do Imposto de Renda no Brasil?”
Essa dúvida é natural — especialmente para expats que já lidam com dois sistemas tributários e regras que parecem nunca conversar entre si.
A boa notícia é que existe lógica nisso tudo. A dificuldade está em entender qual regra vale mais do que a outra, e por quê.
Neste artigo, explico de forma simples, fluida e segura como funciona a residência fiscal para holandeses no Brasil, o que realmente diz o Tratado Brasil–Holanda, qual o papel da OCDE e da ONU, e por que a famosa regra dos 183 dias quase nunca é a regra decisiva nesses casos.
1. Antes de tudo: as regras têm forças diferentes
De forma geral e resumida, para entender a residência fiscal de expats, é preciso entender que as normas não têm o mesmo peso. É como uma escada. Quanto mais alta na escada, maior a força jurídica. Veja:
Constituição Federal
Leis Complementares (LC)
Leis Ordinárias
Decretos, instruções normativas, portarias (normas infralegais)
Por isso, uma instrução normativa da Receita Federal nunca pode contrariar uma lei ordinária — e muito menos um tratado internacional.
2. O Tratado Brasil–Holanda (1991) tem força de lei ordinária — e prevalece sobre normas internas
O Tratado para Evitar a Dupla Tributação entre Brasil e Holanda, promulgado pelo Decreto nº 355/1991, estabelece como resolver conflitos de residência fiscal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de nº 80.004 (Recurso Extraordinário nº 80.004), firmou que:
Tratados internacionais têm status de lei ordinária.
E mais:
Quando tratado e lei interna conflitam, aplica-se o tratado, conforme o art. 98 do Código Tributário Nacional Brasileiro.
Ou seja:
O tratado tem mais força do que instruções normativas da Receita Federal.
O tratado sempre prevalece quando existe conflito.
Isso é decisivo para holandeses no Brasil.
3. A regra dos 183 dias NÃO está em lei — é apenas norma infralegal
Muitos expats acham que ficar 183 dias no Brasil significa se tornar automaticamente contribuinte aqui. Mas isso só seria verdade se essa regra estivesse prevista em lei. Ela não está. A regra dos 183 dias é uma construção administrativa, criada pela Instrução Normativa RFB nº 208/2002. Portanto:
não é lei;
não tem força para afastar tratado;
não pode prevalecer sobre o Artigo 98 do CTN;
não pode definir residência fiscal quando há tratado aplicável (como Brasil–Holanda).
Alguns dos maiores estudiosos brasileiros em tributário, como Heleno Taveira Torres e Alberto Xavier, sustentam que o Artigo 98 do CTN é, inclusive, norma materialmente complementar — ou seja, tem força ainda maior. Se essa interpretação for adotada, fica ainda mais claro: Uma instrução normativa jamais poderia superar o tratado.
No direito comparado, isso se chama treaty override: quando um país tenta “ignorar” um tratado internacional usando uma lei interna. Mas no Brasil, mesmo que uma lei ordinária tente afastar o tratado:
Deve-se interpretar a situação considerando o Artigo 98 do CTN, que impede que isso aconteça;
o STF já reconheceu a força normativa dos tratados;
normas infralegais (como a regra dos 183 dias) jamais poderiam fazer isso.
Por isso, qualquer tentativa de aplicar a regra dos 183 dias no lugar do tratado Brasil–Holanda seria juridicamente frágil.
4. Então, como realmente se determina se um holandês é contribuinte no Brasil?
A resposta está no Artigo 4º do Tratado Brasil–Holanda, que segue os modelos da OCDE e da ONU.
Essas são as tie-breaker rules:
Moradia permanente
Centro de interesses vitais
Residência habitual
Nacionalidade
Essas regras já foram aplicadas em parecer técnico elaborada pelo escritório Cassiano Advocacia, concluindo que:
Se a moradia permanente está na Holanda, prevalece a Holanda;
Se o centro de vida econômico, profissional e familiar está na Holanda, prevalece a Residência Fiscal na Holanda;
Se a permanência habitual ocorre lá (Holanda), prevalece a Residência Fiscal na Holanda.
E tudo isso independentemente do número de dias que a pessoa passou no Brasil.
5. Quando um holandês realmente passa a ser contribuinte no Brasil?
Somente quando:
transfere sua moradia permanente para o Brasil;
muda seu centro de interesses vitais para o Brasil;
ou deixa de manter vínculos determinantes na Holanda.
E ainda assim:
o tratado sempre será aplicado primeiro;
a regra dos 183 dias só atua como critério residual, na ausência de tratado internacional.
É por isso que, para holandeses, o critério dos dias raramente é relevante.
6. Em resumo simples para expats
Imagine:
O tratado é um contrato internacional, com força de lei.
A regra dos 183 dias é um orientação da Receita Federal.
Quando há conflito:
👉 Contrato internacional vence a orientação doméstica.
Sobre a autora
Sou Clivanir Cassiano, advogada tributarista atuante em tributação internacional para expats no Brasil. Atendo clientes de diferentes países, com foco em residência fiscal, planejamento global e prevenção de bitributação. Linguagem clara, técnica segura e soluções personalizadas fazem parte da minha atuação.
Atendimento online para brasileiros e estrangeiros em qualquer lugar do mundo.
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